Profecia
A cada desentendimento voltam as visões do passado. O que se mostrava como sonhos, devaneios e inseguranças da imaturidade, vem agora como profecia a assustar meus medos. Eis que vejo cada vez mais perto a hora marcada, destinada. Um não mais se encontra entre nós, outro tem a partida próxima. Então o novelo do destino rolará pelos abismos do tempo a desfiar-se. Redes e tramas serão tecidas e o louco se verá cego e abandonado. O caminho se dividirá, separando a abastança da indigência. De um lado encontrar-se-ão casacos de vison e sapatos de pelica, do outro, calças rotas e pés feridos. Os caminhos se afastarão ligeiros e jamais se reencontrarão. O tempo passará veloz para uns, mas os anos terão a eternidade para outro.
O louco deixará a caverna na grande montanha levando apenas os seus, também loucos, conhecimentos. Devaneios em papéis velhos que só a ele interessam. Vagará pelas terras de baixo, falará aos homens e deles receberá pedras. Irá chorar todas as noites, quando seu corpo encontrar o leito e lembrar da grande montanha. Lá, sentia-se um pouco mais perto de Deus.
As noites e os dias passarão aos milhares até que os que ficaram na opulência interessem-se em saber do destino do louco. À bordo dos seus luxos farão grande procura mas ele não se deixará encontrar. A esquálida sombra nem de longe lembrará o homem robusto do passado. Mesmo que irreconhecível, não se deixará mostrar e observará os senhores pomposos por entre folhas e ramos.
Mais anos se passarão, quando deixará de ser um louco na multidão para se tornar um velho louco na multidão.
Um dia, deitado numa cama de tábuas mal pregadas, esperará o grande ceifador. Mas a profecia diz que antes da hora final alguém com seu sangue virá e o nominará. A morte será precedida e ele chorará pela última vez. De felicidade.
Quem tiver ouvidos, que ouça.
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